terça-feira, 17 de novembro de 2015

Sob a Luz de Paris

Queima-me intensamente os lábios
a indefinição do que seja a palavra,
quando um degrau de sombra marca a sua presença
na inviolável imperfeição da luz.
Não sei se é apenas uma língua de fogo,
descendo, inexorável, os degraus do silêncio,
por onde flui um rio, quase água, quase mar,
de desígnios ocultos nos domínios da sede,
ou difusas memórias de lugares ou de aves
que chamam pelo nome os recessos do vento.
Estou, assim, dividido, entre a evidente transparência da sombra
e a absurda opacidade da luz,
que rasga nas palavras a esdrúxula inutilidade
de quantas consoantes à língua se colaram
para habitar apenas os subúrbios da fala.
Há momentos na vida em que olhos não sabem
mais do que brevidade da fuga ou do espanto
de soçobrar à esquina da penumbra
para reter talvez os retratos antigos
que as paredes e o tempo guardaram nas molduras.
Por isso não vacilo. Não olho. Não respiro.
Qualquer gesto imprudente pode ser, afinal,
o derradeiro acto que reduz a estilhaços a luz sobre o lajedo
ou o tiro que deixa um legado de ausências
escrito a fogo e a sangue no coração da pedra.
E mesmo que a chuva se derrame no Sena,
sob a luz de Paris só a noite se abate.
Novembro de 2015
Fernando Fitas

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