sexta-feira, 8 de maio de 2015

Excerto de In "O Ressoar da Águas"

À melodia breve das palavras
confiei este dizer de esperas e afectos
Talvez neles se sinta (ainda) o marulhado vento que os trouxe
ao resguardado leito das lembranças
com que entreteço as horas e os dias
destes difusos tempos desavindos

Não conjuguemos mais o verbo consentir
nem detenhamos quantas palavras haja que se assomam
à janela dos lábios requeridos
para que inteira seja a suculenta festa
pelos cravos e pólen prometida

Não refrear o passo não ceder
aos constantes apelos da inércia
Ousar erguer o punho essa bandeira
com que festejámos o devir
antes que tarde fosse e não houvesse
tempo de consagrar Abril em Maio


Doemos também um dedal de silêncio
aos rios imaginados da memória
que preservados foram em seu leito

Deixar que se enalteçam e contentem
em transbordar barragens ou açudes
sulcando um novo curso p’ra seu leito
na alba do porvir que se adivinha
no mais alto postigo das manhãs

Depositemos aí o fruto recolhido
nas mãos de quantas mãos ainda haja
esperando os parcos grãos que confiámos
pudessem pertencer a nossa herança


Contemo-los um a um como se fossem
o derradeiro espólio que nos sobra
desse instante maior que nos coubera
e soltemos as inquietas trovas que soando
notificaram um dia nossos passos
a sulcar novos trilhos   a dobar outros velos
p’ra neles se internar em caminhadas

Longe ficou entanto a rebeldia
de um tempo que foi nosso e instigava
a transgredir nos versos as fronteiras
de quantas névoas houve que impediam
o livre acesso a quantos intentavam
conferir novos alentos e afectos
aos horizontes outros vislumbrados.

É hora digo  enfim  de repartir
os haveres que no modesto alforge nos ficaram
Um cabaz de aloendros e de ventos
uma roca de alentos que resiste
um punhado de estrelas e de cinzas
e um anelo de raivas e de mágoas
que em nosso peito lavra e nos aquece

Não bastante contudo concedamos
para acender ainda a viva chama
do lume que emprestava a alegria
a quantos sonhos   recordo  proclamámos

In O Ressoar da Águas, (2004)

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Soubemo-nos em Maio

Soubemo-nos em Maio,
porque o perfume das tílias do quintal
dizia mais de nós que todas as palavras,
e bastaria um fio para que o rio descesse, inelidível,
as grandes avenidas por onde caminhámos,
vestindo de azul e de miragens
a margem deslumbrada da manhã,
como se um salitre de vento, escorrendo pelos dedos,
nos concedesse ainda a ousadia
de convocar para nós a utopia,
com que se move a força das marés.