sábado, 13 de outubro de 2018

A hora dos néscios ou a vertigem boçal da tirania



A Hora dos néscios

É a hora dos néscios tomarem o lugar no banquete
de todas as estações, de  todas as falácias,
reclamando para si a parte do quinhão que nunca lhes pertence.
Chegam com um revolver de mentiras e sebo
e disparam  apenas putrefactas palavras,
trágicas como a fome, sinistras como  o medo.

Deixarão sobre a mesa o ódio do seu fel,
derramando veneno sobre côdeas de pão,
para que os bobos possam saciar-se de vento,
degustar-se de vermes em fruta apodrecida ,
como raivosos cães farejando uma presa.

Sei que há toutinegras que não constroem ninhos
entre as dolentes sombras do entardecer
e víboras que correm como o som de uma bala,
anunciando a cura  de vícios e defeitos ,
o messiânico antídoto de todos as maleitas,
mas morro sempre um pouco quando vejo canalhas
injectarem  arsénio no coração dos fracos.


Eis porque me dói esse país do samba, sol e carnaval,
perdendo-se de si e da sua memória,
sem o rasgo de um gesto,  a leveza de um salto,
ou um pouco de alento para deter a besta  e retomar o passo.
Pobre gente, essa gente. Tão pobre e tão confusa, 
sequer tem a noção que cava, furiosamente, a própria cova,
movida pela vertigem boçal da tirania.


Fernando Fitas, Portugal/Outubro/2018