sábado, 21 de novembro de 2015

O Silêncio da Fala


Antes que um resíduo de vento se insinue sobre as árvores
e não seja mais do que nudez e abandono
o que seus ramos falam,
eis-me aqui:
exposto à delituosa corrosão do silêncio,
para saber de cor o respirar das rãs numa lagoa seca,
o sussurrar dos fenos quando o fogo da lâmina
subitamente lhes decepa o caule,
ou o ruído da sombra num campo abandonado.

Poderá vir a chuva reclamar penhores desconhecidos
que a caducidade das folhas  ignora.
Estou aqui como um louco ou um mendigo,
a quem roubaram a tranquilidade diária do hospício
ou a amável companhia de uma esmola de sol.

Um bando de aves chega para atestar que a solidez dos ramos
conhece mais da terra que a semente.
É no vício do olhar que explode suas asas
e as folhas se oferecem ao bulício da queda.
Uma mulher suspende o andar junto à margem do rio.
Sabe talvez que alguém se banhará algures nas suas águas
quando chegar o verão,
para guardar na pele a essência das flores e dos arbustos
que perfumaram  um dia (a) sua infância.

Não tenho porque temer.
As minhas mãos abertas procuram nas palavras
o primitivo som do breve aceno
que seu perfume antigo espalhou no meu casaco,
emprestando a meus dedos,
inebriados de prodígios e  sonhos,
a luz de todas as florestas onde ninguém ousou entrar.

É nas palavras que o tempo se dissipa e encontra refúgio.
É com elas que diz da solidez das pedras;
a dureza versátil do barro,
a matricial temporalidade das flores
num campo minado de raivas e afectos.
Guardai a minha fala assim que o rio transborde
e as margens se aconcheguem  à caricia das águas.
Nela haverá, ainda a polifonia de todos os naufrágios   
que as marés testemunham e os deuses ignoram
- tão ávidos de sede, como o vinho dos mortos,

tão prenhes de eternidade que nem o céu vislumbram.



Fernando Fitas            Novº. 2015


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