Hei-de
chegar um dia à Gronelândia
Hei-de um dia chegar à Gronelândia
com
um bouquet de rosas no olhar
e
uma fogueira acesa em cada mão
para
riscar a minha frágil sombra
na
insensibilidade austera do(s) deserto(s)
de neve
onde
o vento se acolhe na solidão do frio
Terei
nos bolsos um poema de Grade
com
uma “rapariga sentada, corpo torcido,
sonhando com a aldeia”,
esse
lugar remoto,
cuja
existência se apagou, há tanto tempo,
do
mapa das nossas itinerâncias,
que
nem as aves recordarão a rota de tão
longínquo voo.
As
grandes migrações, sei-o há séculos,
são
as que se ausentam definitivamente do coração das árvores,
sobem
com/como os rios, os caminhos da sede,
entregam
as raízes à profundez das águas
e
se lançam no abismo de refractários passos.
Por
isso, eu vou à Gronelândia desafiar os deuses
que
retiram das casas os homens indefesos,
lançam
barcos de angustia em inocentes mares
e
festejam ainda sobre o pó das cidades
sem
que um olhar de espanto se cole à sua alma.
Não
sei da Gronelândia mais do que os livros dizem,
e
no entanto sinto que sob o glaciar algo estrebucha e vibra,
como
se um punhal de silêncio e de raiva
irrompesse
entre os dedos de uma débil criança,
para
esventrar montanhas ou desenhar apenas
uma fenda de luz
que permita afinal à fúria das palavras
reclamar
para si a cor e os destroços
de
quantas intempéries a neve acumulou.
Com
eles sei ainda
que
hei-de alcançar um dia a Gronelândia
com
um ramo de cravos no olhar
e
um sorriso imperecível no vértice dos sonhos
que
a si próprio se baste e saiba eliminar
esta evasão endémica de barcos suicidas
que
em demanda de vida se sepultam no mar.
Fernando Fitas
Amora,
Novembro2015
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