quarta-feira, 11 de novembro de 2015

  Hei-de chegar um dia à Gronelândia

 













Hei-de um dia chegar à Gronelândia
com um bouquet de rosas no olhar
e uma fogueira acesa em cada mão
para riscar a minha frágil sombra
na insensibilidade austera  do(s) deserto(s) de neve
onde o vento se acolhe na solidão do frio

Terei nos bolsos um poema de Grade
com uma “rapariga sentada, corpo torcido, sonhando com a aldeia”,
esse lugar remoto, 
cuja existência se apagou, há tanto tempo,
do mapa das nossas itinerâncias,
que nem  as aves recordarão a rota de tão longínquo voo.

As grandes migrações, sei-o há séculos,
são as que se ausentam definitivamente do coração das árvores,
sobem com/como os rios, os caminhos da sede,
entregam as raízes à profundez das águas
e se lançam no abismo de refractários passos.
Por isso, eu vou à Gronelândia desafiar os deuses
que retiram das casas os homens indefesos,
lançam barcos de angustia em inocentes mares
e festejam ainda sobre o pó das cidades
sem que um olhar de espanto se cole à sua alma.

Não sei da Gronelândia mais do que os livros dizem,
e no entanto sinto que sob o glaciar algo estrebucha e vibra,
como se um punhal de silêncio e de raiva
irrompesse entre os dedos de uma débil  criança,
para esventrar montanhas ou desenhar apenas  uma fenda de luz
que  permita afinal à fúria das palavras
reclamar para si a cor e os destroços
de quantas intempéries a neve acumulou.

Com eles sei ainda
que hei-de alcançar um dia a Gronelândia
com um ramo de cravos no olhar
e um sorriso imperecível no vértice dos sonhos
que a si próprio se baste e saiba eliminar
esta evasão endémica de barcos suicidas
que em demanda de vida se sepultam no mar.

Fernando Fitas

Amora, Novembro2015




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