segunda-feira, 28 de julho de 2014

Militante (apenas) de utopias

 Caçador de esperas e de sedes,    
 ou pescador apenas de utopias,
        aqui retorno agora como o vento
 para saber das pérolas do rio.

Tornara-se imperioso ser da água,
não apenas a gota que reclama
a dádiva de um sopro
quando o leito das fomes principia,
mas o azul das chuvas e a falas
que convoquem  a seiva da semente,
onde germina  a ânsia mais secreta,
de quem erguendo sonhos alimenta
vértices de fogo e ousadia.

Venho escrever nos muros as palavras,
para  desenhar um dedáleo de ventos
quando o musgo dos dias se anuncia,
e como quem retoma clandestinamente a velha harpa
aqui me reinvento, me reafirmo,
militante das coisas impossíveis,
oferecendo somente as minhas mãos despidas e tão débeis
nas quais carrego (ainda) um ramo de utopias.

Aqui cheguei descalço
só de olhar
os caminhos que há tanto me esperavam.
E recusando sempre o quanto pretendia
avancei pelos campos para beber
o eclodir do cântico dos pássaros
logo que as árvores sabem
dos primeiros sussurros
na folhagem.

No corpo
o mapa de todos os lugares
que ao largo me avistaram,
sem que houvessem logrado apenas o aceno
de um oblíquo olhar,
onde não cabe mais que um golpe de asa.
Talvez aí tenha nascido a cicatriz difusa
que à alma se colou secretamente,
dizendo mais de mim do que as palavras.

Não pretendam por isso, que fale sobre o modo
de colorir as sombras,
quando o sol incide sobre as formas e as distorce.
Sou militante apenas de meus passos,
exijo unicamente o que pressinto.
Não reivindico qualquer lâmina de água
derramando-se em tórridos desertos,
ou o sibilar do tiro que se acha
pela vertigem da presa derrubado.

Entre o disparo da bala e o seu alvo
há sempre um espaço ferido que se cala.
Eu não me calarei!
Mesmo que a voz me morra e só me reste o espasmo
de um coração de pássaro delido,
sei do bulício dos vales riscando traços de luz
na opacidade cinzenta das montanhas;
do viço da areia roçando-se nas águas;
o suspiro do ar quando toca nos lábios
da mais pura mulher
e a subtil ternura da corola dos cardos
pelo orvalho.

Todos eles me habitam
como o silêncio instiga a transgressão no fruto das searas,
assesta de raiva as hastes dos espinhos
e sussurra revoltas tão antigas
que as mãos dos camponeses preferem olvidar.
De todos  retenho  secretamente a alquimia
onde repousa eternamente o sortilégio
que me tornou um militante (apenas) de utopias.
Inquieta-me a arrogância das montanhas

Inquieta-me a cinzenta arrogância das montanhas
espreitando há dois mil anos o bulício dos vales,
(qual águia intemporal tombando sobre as casas),
como se a sua sombra intimidasse as chuvas,
impedisse as flores de romper entre as pedras,
ou proibisse as subterrâneas águas
de construírem asas em seus lençóis freáticos. 

Há ofícios tão velhos e tão gastos
que parecem eternos.
Contudo tão inúteis quanto o pó sobre a estrada,
ou as cinzas de um lume que há muito se extinguira.
Não sabem das carícias entre a terra e as ervas,
os afagos trocados entre as aves e o vento,
os olhares de onde emerge o cheiro da liberdade…

Sabem unicamente da arrogância vil
que a si se concederam
porque apenas conhecem a vocação das lavas.


Fernando Fitas - Inédito 2014



domingo, 13 de julho de 2014

Sofia entre o lajedo

Quiseram matar-te uma segunda vez;
soterraram-te os ossos entre as pedras
para que a livre geografia das palavras
definitivamente se apagasse
e não pudesses voltar a ser do mar
a menina que houvera proclamado
Navegações e Ilhas na comunhão das águas.

Presumiram talvez que sob a pompa
com que te encarceraram no lajedo
oculto ficaria o eco do teu canto.
Não te souberem ler estes que hoje
pretendem apagar a tua voz
fuzilando-te, assim,  cobardemente
como os que foram fuzilados em vigilas sem data.