De Guernica a Badajoz
(Para que a memória não se
apague da nossa memória)
De Guernica a Badajoz
Soubemos de Guernica pelo
som das explosões
assim que as naves de aço
despejaram ogivas sobre as casas,
fragmentando sonhos e
decepando vidas.
E pouco mais pudemos do que
lamentarmo-nos
do imponente frio que se
abatera, então, sobre as nossas cabeças,
deixando-nos, inclemente, o
fel da impotência.
Não eram cinco da tarde. Mas
um tempo de fogo,
e um lugar tão sem tempo,
que os relógios não sabiam
ainda decifrar.
Tivemos assim a certeza de
que os únicos elementos de medição
se limitavam ao irregular
diâmetro das crateras
e ao súbito fascínio em
destruir a esperança
de quem, por suas mãos,
ousou tecer, tão-só,
um casulo de afecto e liberdade.
Por isso
guardámos o pavor instalado nos olhos das crianças,
quando a guarda investiu
pelos quintais da vila
para rasgar silêncios (cúmplices
e solidários)
e intimar as mães
a entrar na viagem de uma
estação apenas.
Oficiantes de um culto
condenável,
não eram arianos,
falangistas ou mouros
os que berravam ordens de
cima das montadas,
vociferando aos detidos que
estugassem o passo:
Era o clamor do ódio envolto
numa farda
que atirando os cavalos
sobre os refugiados indefesos,
acordava fagulhas no
empedrado negro da calçada,
impondo aos moradores das ruas envolventes
o recolher urgente a suas
casas.
Badajoz estava ali à mercê
de um olhar
como se a frincha da nossa
porta,
(por onde todas as manhãs o
dia se levanta),
subitamente ganhasse a
dimensão de uma janela
e dela vislumbrássemos o
outro lado da fronteira,
divisando um cortejo de medo
e sobressalto(s)
como lâminas de angustia
tatuando na pele cicatrizes
de espanto.
Não ouvimos os tiros, bem
sabemos.
Somente perscrutámos
o fumo libertando-se do cano
das espingardas.
Mas retivemos o som
cavo e perene
de quantos corpos
tombaram na arena.
Fernando
Fitas - inédito –Setembro 2014