Deixa a fala espraiar-se
Deixa a fala espraiar-se em teu
olhar,
deitar-se nas palavras quando a
boca se cerra
para conferir aos dedos o
domínio da sombra, a leveza da luz,
ou apenas o rasto que do
silencio emerge,
deixando na memória a rosácea lembrança
de um fogo sobre a pele.
Excedentária é somente a
semente sem fruto,
o possível lugar que ao abandono
oferece
o viço da flor que houver em nossas
mãos.
Tudo o resto é eterno como um
beijo na água;
uma espiga de trigo cegando de
amargura o gesto da colheita;
uma cortina abrupta de vento
nos cabelos;
a rectilínea ausência que o
coração das aves empresta a cada voo.
Quotidianamente embrulhamos
desejos
no lençol da infância,
com a secreta esperança de adiarmos a morte
indefinidamente.
Assim coleccionamos vestígios e
destroços;
acumulamos raivas, revoltas e
cansaços
e o suave veneno que nos impede
os braços
de disparar num sopro os
estilhaços de rosas
nas vitrines dos bares aonde não
entrámos,
mas onde celebramos afectos e
ternura
erguendo nossas taças.
Recusa-me contudo moratórias
que intentem soterrar o rio
ainda na nascente
ou adiar o resgate de quantos
sonhos e pão
colocamos sobre a mesa.
Não é este o instante de
conceder aos olhos a demora finita
das trágicas noticias que os
jornais nos revelam.
Quem carrega a espingarda nunca
assesta o disparo,
não cede sua mão para soltar o
tiro,
porque em seus pés de chumbo se
cumulam disfarces
de (in)veneráveis ritos,
que apenas reconhecem
(entre a fuligem espessa que
seus gestos ilude)
a arrogante sombra do poder dos cifrões.
Morte ominosa esta, que
despedaça vidas
na insuspeita inocência da(s)
calçada(s)!
Não deixes que a sombra de um petardo
pese nas tuas pálpebras;
um pássaro nocturno venha exibir
a presa
na interdita superfície da
janela,
ou um ruído ignóbil incomode as
flores
que as crianças semeiam à beira
de um sorriso.
Por elas, não te cales!
Bebe-lhes cada gesto.
Ergue os olhos e sonha. Compulsivamente.
Mesmo que os pulsos sangrem. E
nada mais te reste
do que a fala que habitará em teu olhar - eternamente.
Autor: Fernando Fitas Novº 2015
( foto: Internet)
E quando os olhos te pesarem, baixa as pálpebras com um puxar de cortinado, bem arrendado, para deixar entrar o sol e falares com as tuas
ResponderEliminarmãos.
Muito bonito, adorei.
ResponderEliminarboa tarde, amiga. Peço desculpa pelo atraso na resposta, mas só hoje vim ao blog. Bem haja.
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