sábado, 31 de maio de 2014

Um Casulo de Alentos e de Sonhos
À melodia breve das palavras
confiarei este dizer de esperas e de afectos.
Neles talvez se sinta - ainda - o marulhado vento que os trouxe
ao resguardado leito das lembranças
com que entreteço as horas e os dias
destes difusos tempos desavindos.

Deixar de conjugar o verbo consentir
nem reter as palavras que se assomam
à janela dos lábios requeridos
para que inteira seja a suculenta festa
pelos cravos e polén prometida.

Não refrear o passo não ceder
aos constantes apelos da inércia
Ousar erguer o punho essa bandeira
com que festejámos o devir
antes que tarde fosse e não houvesse
tempo de consagrar Abril em Maio

Não transigir na frase que soubermos
melhor se ajustará a seus desígnios
nem intentar reter o mais rebelde verso
no indomado curso em que se afirma
seu casulo de alentos e de sonhos
sem que domados fossem seus intentos.

Convoquemos então todos os ritos
que o aportar dos gestos nos instiga
e confiar o precioso aroma que libertem
a quantas naves - sei - se transviaram
no prolongado voo a que se deram
sem recear - afirmo - as tempestades
que sobre as suas rotas se abateram.

Doar também um dedal de silêncio
aos rios imaginados da memória
que preservados foram em seu leito
Deixar que se enalteçam e contentem
em transgredir ainda sem temer
a alba do porvir que se advinha
no mais alto postigo das manhãs.

Depositar aí o fruto recolhido
nas mãos de quantas mãos ainda hajam
esperando os parcos grãos que confiámos
pudessem pertencer a nossa herança.
Contá-los um a um como se fossem
o derradeiro espólio que nos sobra
desse instante maior que nos coubera.
Soltar então as inquietas trovas que soando
notificaram - digo - nossos passos
a sulcar novos trilhos a dobrar outros velos
p'ra neles descansar das caminhadas.

É tempo - afirmarei - de repartir
os haveres que no modesto alforge nos ficaram
- Um cabaz de aloendros e de ventos
uma roca de alentos que resiste
um punhado de estrelas e de cinzas
e um anelo de raivas e de mágoas
que em nosso corpo lavra e nos aquece.

Fernando Fitas
Do livro, "Na Liberdade - Antologia Poética - 30 anos - 25 de Abril".

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