sexta-feira, 20 de junho de 2014
sábado, 31 de maio de 2014
Um Casulo de Alentos e de Sonhos
À melodia breve das palavras
confiarei este dizer de esperas e de afectos.
Neles talvez se sinta - ainda - o marulhado vento que os trouxe
ao resguardado leito das lembranças
com que entreteço as horas e os dias
destes difusos tempos desavindos.
Deixar de conjugar o verbo consentir
nem reter as palavras que se assomam
à janela dos lábios requeridos
para que inteira seja a suculenta festa
pelos cravos e polén prometida.
Não refrear o passo não ceder
aos constantes apelos da inércia
Ousar erguer o punho essa bandeira
com que festejámos o devir
antes que tarde fosse e não houvesse
tempo de consagrar Abril em Maio
Não transigir na frase que soubermos
melhor se ajustará a seus desígnios
nem intentar reter o mais rebelde verso
no indomado curso em que se afirma
seu casulo de alentos e de sonhos
sem que domados fossem seus intentos.
Convoquemos então todos os ritos
que o aportar dos gestos nos instiga
e confiar o precioso aroma que libertem
a quantas naves - sei - se transviaram
no prolongado voo a que se deram
sem recear - afirmo - as tempestades
que sobre as suas rotas se abateram.
Doar também um dedal de silêncio
aos rios imaginados da memória
que preservados foram em seu leito
Deixar que se enalteçam e contentem
em transgredir ainda sem temer
a alba do porvir que se advinha
no mais alto postigo das manhãs.
Depositar aí o fruto recolhido
nas mãos de quantas mãos ainda hajam
esperando os parcos grãos que confiámos
pudessem pertencer a nossa herança.
Contá-los um a um como se fossem
o derradeiro espólio que nos sobra
desse instante maior que nos coubera.
Soltar então as inquietas trovas que soando
notificaram - digo - nossos passos
a sulcar novos trilhos a dobrar outros velos
p'ra neles descansar das caminhadas.
É tempo - afirmarei - de repartir
os haveres que no modesto alforge nos ficaram
- Um cabaz de aloendros e de ventos
uma roca de alentos que resiste
um punhado de estrelas e de cinzas
e um anelo de raivas e de mágoas
que em nosso corpo lavra e nos aquece.
Fernando Fitas
Do livro, "Na Liberdade - Antologia Poética - 30 anos - 25 de Abril".
A José Afonso
Que faço a estes versos,
companheiro,
se não lembro o som da viola
subindo o delta
do teu corpo?...
Que nome dar
à inviolabilidade das horas
tocando de silêncios
os teus lábios?
Que voz se ergue
do fundo
dos teus olhos
incêndiados de luz
na noite
da memória?
O teu retrato
colado na parede
dá as musicais
respostas do silêncio.
Fernando Fitas - Do livro "Silêncio Vigiado" - 1992
SONETO PARA UMA CEIFEIRA
O sol tisnou-te a pele e as entranhas
o pão que ceifas, minha companheira;
a terra fecundada que hoje amanhas,
o amor que pões em cada sementeira.
No peito tenho campos alqueivados
e na garganta a tua voz doída,
nos olhos tenho foices tenho arados
e nos ombros uma vida envilecida.
Em mim palpita todo um universo
que não cabe nas palavras
deste meu pequeno verso:
Charnecas alqueives e montados
com ceifeiros a searas abraçados
às espigas oiro pão como tu estavas.
Fernando Fitas. Do livro Amor Maltês - 1986.
OUTUBRO DA PALAVRA
As palavras não são tudo, óh meu amigo,
mas os gestos, são tão poucos, afinal,
que até na paisagem dos poemas
existe um sabor amargo, a sal,
O sorriso por vezes é forçado,
o olhar é fugidio, arrependido,
e as conversas, tantas vezes, são balofas
porque as palavras não possuem já sentido.
Por isso eu canto os sonhos da infância
recordando o cerro e o maltês:
a vida remendada de outro pano.
Nasci além do Tejo Alentejano.
E apesar da ausência, da distância
permaneço ainda camponês.
Fernando Fita. Do livro Amor Maltês - 1986
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