I
Meu pai saiu de madrugada e não voltou
Ia afagar a terra
e saciar as árvores
semear aloendros
em redor da nogueira
(que meu avô lhe
dera havia anos)
falar aos animais
e sossegar as águas
Sentou-se numa
pedra junto à fonte
despejou o
alforge e não comeu
Bebeu os
primeiros raios da manhã
fitou o horizonte
e adormeceu
Levou nos braços
um ramo de coentros
para temperar os
dias e as sedes
que seu tocar os
ventos presumia
Nos ombros uma enxada puída e já sem uso
e um dedal de
vinho e um sorriso
para abraçar as
aves e os rios
que nesse lugar
outro o aguardavam
Agora está -presumo-
a confiar às estrelas
quantas searas de
afectos semeou
e a soletrar as
sílabas e os verbos
de quantos versos
ainda me outorgou
para que deles eu
tenha o resguardado pão
que seu tocar a
terra me legou
Cansou-se de
guardar direi as margens ressequidas
de uma esperança
ausente e confiscada
e decidiu partir
de madrugada
para abraçar os
longes que sabia
capazes de afastar a lassidão
dolente
deste país ao sul
e despojado
Resumo das
heranças
Ficam aqui as
falas derradeiras
Tão breve é
pecúlio que coubera
na preservada
cesta onde abriguei
as cartas de
bem-querer e os afectos
que foram meu
alento e o alívio
nos trilhos a que
fui sem recear
o verbo conjugado
com o vento
E se encontrado
está o ponto cardeal
ou se
quiseres a Úrsula Menor do
esquecimento
não há porque
temer ou vacilar
e sigamos as
subterrâneas águas que demandam
a recolha do
fruto no seu tempo
Meus amigos
partiram já o disse
sem provarem das
uvas quanto mel
concedido lhes fora para a ceia
mas seu lugar à
mesa permanece
na partilha do
pão e das revoltas
que ao mais
pequeno toque recrudesce
Saibamos ser proclamo o sonho e a utopia
de reaver o que
nos foi negado
e pendurando as
uvas no sobrado
da casa da
memória que nos resta
juntemos todos os
bagos ou lembranças
ao néctar que se
assoma em cada verso
para que os
ventos venham e se abasteçam
do suculento
travo de ousadia
Interpelemos
também os dias sobre os campos
cercados de
silêncio angústia raiva
para reacendermos
cada extinta fogueira
sem esperar que
os deuses dominantes
nos venham
inquirir sobre os desígnios
que buscamos
lograr com nosso canto
Escuto
melhor assim o ciciar das aves ao relento
e o marulhar dos
rios que se aproximam
e suspenso no
lume desses fogos
que meus dedos
recolhem e contemplam
sou um sopro de
vento que não cede
e nessa
resistência permaneço
Meu pai repito
saiu de madrugada e não voltou
cansado deste
país ao sul acocorado
Por isso tenho um
anelo de fogo que me incita
um velo de
ausências que me aquece
e um silêncio mordido que me impele
a intentar ainda
verso a verso
empunhar a
firmeza de quem sabe
haver no vento
uma bandeira disponível
que aguarda quem
a erga desfraldada
Muito bom. Olhe o conheci hoje através de Irene Coimbra que faz o programa Ponto e vírgula no Brasil. Eu gostaria de lhe permitir permissão para fazer parte dos poetas que tenho no meu blog Laços de Poesia. Seria um prazer.
ResponderEliminarFernanda
boa tarde. Espero que me releve o atraso na resposta à sua questão, mas lamentavelmente só hoje vi o seu comentário. Venho pouco aqui ao blog. Em todo o caso, está autorizada. Saudações.
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