quarta-feira, 27 de abril de 2016
quinta-feira, 21 de abril de 2016
sábado, 9 de abril de 2016
Beija a flor
assim…
Beija a flor assim, suavemente,
guarda nas mãos
a urze, o trigo, o feno;
pousa os olhos na haste recurvada:
bebe, então, o perfume, liberta a voz,
lograste finalmente a madrugada.
Ergue depois o tronco, afaga o rosto,
deposita a semente, lavra a terra,
acaricia o pão e prova o vinho;
leva os dedos aos lábios, respira fundo,
e teus serão o pólen e os caminhos.
Deixa o espasmo crescer na/em tua boca,
solta ainda um aceno ou uma lágrima
se uma espécie de fogo se insinua:
não retenhas o sangue que te incendeia as têmporas
e todas as bandeiras serão tuas.
Por fim, descruza as pernas, estende os braços,
dança sobre ti mesma, rodopia,
como se fosses águia ou mariposa.
No esvoaçar dos teus cabelos, sabe(s)?,
é que se eleva o vento, o mar, a rosa.
Fernando
Fitas/2016
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Aquece as minhas mãos
Aquece as minhas mãos nos teus joelhos hoje.
Há nelas o ruído de um frio perturbando o
silêncio,
o rumor de um gemido subindo pelo sangue,
o estilhaço de um grito ferindo na garganta
e um nó no pescoço, por dentro da ausência,
que dói até aos ossos.
É nas mãos este frio.
Morde a pele e as veias como cães sem destino;
pelo sangue se interna rosnando suas fúrias
para suster a presa e afiar os dentes.
Tão ávido de morte, de gelo se contenta,
mas não sabe, contudo, que os frutos em teu ventre
se alimentam de sílabas fraternas
que adejam primaveras no vórtice da língua
e doam à cidade solidários jardins.
Fita-me bem nos lábios e saberás ainda das flores
que nasceram das pedras,
reclamando a luz de quantas velas confiaram seu
derradeiro ofício
à suprema
missão de outorgar afectos
e preservar vestígios de ternura
na improvável
memória da calçada:
São flores que extravasam a solidão de um verso,
com pétalas que explodem no coração da(s) rua(s);
sobem como perfume à altura dos olhos
e desprendem os rios escondidos sob as pálpebras,
restituindo aos lábios a única palavra
que recusando ocupa o horizonte branco da saudade.
Fernando
Fitas
Novº. 2015
Foto: Internet
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Deixa a fala espraiar-se
Deixa a fala espraiar-se em teu
olhar,
deitar-se nas palavras quando a
boca se cerra
para conferir aos dedos o
domínio da sombra, a leveza da luz,
ou apenas o rasto que do
silencio emerge,
deixando na memória a rosácea lembrança
de um fogo sobre a pele.
Excedentária é somente a
semente sem fruto,
o possível lugar que ao abandono
oferece
o viço da flor que houver em nossas
mãos.
Tudo o resto é eterno como um
beijo na água;
uma espiga de trigo cegando de
amargura o gesto da colheita;
uma cortina abrupta de vento
nos cabelos;
a rectilínea ausência que o
coração das aves empresta a cada voo.
Quotidianamente embrulhamos
desejos
no lençol da infância,
com a secreta esperança de adiarmos a morte
indefinidamente.
Assim coleccionamos vestígios e
destroços;
acumulamos raivas, revoltas e
cansaços
e o suave veneno que nos impede
os braços
de disparar num sopro os
estilhaços de rosas
nas vitrines dos bares aonde não
entrámos,
mas onde celebramos afectos e
ternura
erguendo nossas taças.
Recusa-me contudo moratórias
que intentem soterrar o rio
ainda na nascente
ou adiar o resgate de quantos
sonhos e pão
colocamos sobre a mesa.
Não é este o instante de
conceder aos olhos a demora finita
das trágicas noticias que os
jornais nos revelam.
Quem carrega a espingarda nunca
assesta o disparo,
não cede sua mão para soltar o
tiro,
porque em seus pés de chumbo se
cumulam disfarces
de (in)veneráveis ritos,
que apenas reconhecem
(entre a fuligem espessa que
seus gestos ilude)
a arrogante sombra do poder dos cifrões.
Morte ominosa esta, que
despedaça vidas
na insuspeita inocência da(s)
calçada(s)!
Não deixes que a sombra de um petardo
pese nas tuas pálpebras;
um pássaro nocturno venha exibir
a presa
na interdita superfície da
janela,
ou um ruído ignóbil incomode as
flores
que as crianças semeiam à beira
de um sorriso.
Por elas, não te cales!
Bebe-lhes cada gesto.
Ergue os olhos e sonha. Compulsivamente.
Mesmo que os pulsos sangrem. E
nada mais te reste
do que a fala que habitará em teu olhar - eternamente.
Autor: Fernando Fitas Novº 2015
( foto: Internet)
sábado, 21 de novembro de 2015
O Silêncio da Fala
Antes que um resíduo de vento se insinue sobre as árvores
e não seja mais do que nudez e abandono
o que seus ramos falam,
eis-me aqui:
exposto à delituosa corrosão do silêncio,
para saber de cor o respirar das rãs numa lagoa seca,
o sussurrar dos fenos quando o fogo da lâmina
subitamente lhes decepa o caule,
ou o ruído da sombra num campo abandonado.
Poderá vir a chuva reclamar penhores desconhecidos
que a caducidade
das folhas ignora.
Estou aqui como um louco ou um mendigo,
a quem roubaram a tranquilidade diária do hospício
ou a amável companhia de uma esmola de sol.
Um bando de aves chega para atestar que a solidez
dos ramos
conhece mais da terra que a semente.
É no vício do olhar que explode suas asas
e as folhas se oferecem ao bulício da queda.
Uma mulher suspende o andar junto à margem do rio.
Sabe talvez que alguém se banhará algures nas suas
águas
quando chegar o verão,
para guardar na pele a essência das flores e dos
arbustos
que perfumaram
um dia (a) sua infância.
Não tenho porque temer.
As minhas mãos abertas procuram nas palavras
o primitivo som do breve aceno
que seu perfume antigo espalhou no meu casaco,
emprestando a meus
dedos,
inebriados de prodígios e sonhos,
a luz de todas as florestas onde ninguém ousou entrar.
É nas palavras que o tempo se dissipa e encontra
refúgio.
É com elas que diz da solidez das pedras;
a dureza versátil do barro,
a matricial temporalidade das flores
num campo minado de raivas e afectos.
Guardai a minha fala assim que o rio transborde
e as margens se aconcheguem
à caricia das águas.
Nela haverá, ainda a
polifonia de todos os naufrágios
que as marés testemunham e os deuses ignoram
- tão ávidos de sede, como o vinho dos mortos,
tão prenhes de eternidade que nem o céu
vislumbram.
Fernando Fitas Novº. 2015
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